O Brasil é um moinho de mitos forjados pelas elites históricas, criado para servir à manutenção de seus
privilégios e perpetuação do Poder. Valores como Propriedade (ou Posse),
Tradição e Família foram e continuam sendo eufemismos dessa palavra Poder.
O primeiro mito já começa em 1.500. Não houve descoberta alguma, houve invasão de uma terra que já existia e aniquilação física e cultural de seus habitantes. Essa vontade de aniquilação perpetua do cerne da cultura de nossas elites, essencialmente branca, que ainda hoje, em maioria no Congresso, tenta tirar com sanha o pouco da terra que sobrou aos índios.
Tentaram, desde o início, emplacar o mito de que nossos habitantes primeiros eram preguiçosos para o trabalho, por isso menos dignos dessas terras e desse país que demarcaram sobre o nome daquilo que também extinguiram, o pau-brasil. Até hoje muitos têm essa ideia racista dos índios, transferida para os caboclos, os ribeirinhos e os caipiras paulistas, por exemplo.
Outro mito foi a paradisíaca, pacífica e fantástica, quase bíblica, miscigenação dos povos, raças e culturas, que promoveu a tolerância, a receptividade, a alegria de viver do povo brasileiro. Não, fuja mil quilômetros desse mito. O Coelho da Páscoa é mais crível que isso aí. Somos um dos povos que mais se assassina, uma polícia que mais mata, e por trás desse sangue, com um pouquinho de lupa, verá sempre um viés de classe, gênero, opção sexual e cor, camuflado ou não, deslocado ou não.
Outro, entre tantos outros, é o mito de que somos libertários do ponto de vista sexual, da autonomia dos corpos, sugerida pela mítica do carnaval, da sensualidade do corpo da "mulata", da mulher brasileira, do “malandro brasileiro bom de conversa e de cama”. Nada disso. Estamos mais para tapados, conservadores corolas do que qualquer outra coisa. Qualquer nuance diferente disso é luta e resistência da massa que segura a pirâmide. Veja nossos representantes atuais. Não te representam? Talvez a melhor resposta seja que representam sim, boa parte, a “melhor parte”, a parte mais forte, a parte que manda, uma parte que há centenas de anos se acostumou a ficar velada, eufemizada, higienizada como tática de perpetuação frente às demandas progressistas e humanistas da história mundial.
Grande mito também se instaura com a Independência, cercada de gritos míticos em rios míticos, gnomos, fadas, unicórnios e princesas míticas. Daí veio a República, outro mito; a libertação dos escravos negros, mais um mito; a democracia representativa, o mitão que hoje mostra toda a sua cara de farsa.
Quando cai a máscara racista de um William Waack, por exemplo (https://youtu.be/3MtVFtp1iBI), cai a máscara de todo um país.
Também cresci cercado de piadas
racistas por todos os cantos. Não, não sou negro, não faço a ideia da dor de
ser negro nesse país. Faço sim, ideia da alegria de os ser, pois aos negros e
sua cultura, que tanto carrego entranhado em mim, devo a vida.
Não se iluda, vão argumentar que
foi uma piada interna, brincadeira, que o cara é um profissional respeitável
& blá, tentar dar aquela sabonetizada no nosso racismo histórico e
culturalmente intrínseco na vertente dessa casta de Poder que, de forma
transversal, atinge a todos que nela se espelha. Agora, imagine dois currículos
na mesa desse sujeito, um de cara preta, outro de cara pálida. Qual vai levar a
vaga? Percebe porque toda a tevê é branca? Porque negros na novela só servem para
alegrar a ala pobre e servir brancos na Casa Grande? Imagina os diretores dessa
corporação. Imagine os diretores de marketing de todas as empresas desse
país. Imagine a cor de todos. Imagine o esforço que foi e é até hoje, a todo
esse Poder instituído, simular uma aparência que não é a nossa.
O espelho do país está quebrado.
E esses cacos, movidos pela força das redes de resistência que se unem, das
vozes de resistência que se encontram, virtualmente ou não, é uma das maiores
revoluções em curso. Não há mais espaço para babacas. Gritem, esperneiem, queimem
bonecas, batam panelas! Os dias da babaquice estão contados. A História faz a
curva ali. Vê? Aos otários de plantão só restarão a farda dos otários.
E eu sou mais nós.