sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Simbolismo Concreto

                     “ ”
               A poesia
não se colhe na mão dos dias
         ela canta sozinha
           remói sozinha
             seu próprio
              intestino     

 O poema se
                       E            
                       V
                       A
                     C  U
                       A
           
        e te                    ras
                                           g 
                                           a
           É como roubar
        dum verme  a alma
         e ter-se a víscera
              encantada   
                     “ ”

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"Ministério da Dor"


Como podem perceber, postei no final ano passado, 14/12 para ser exato, o poema “Ciclo Estufa”. Compu-lo, na verdade,  diante das terríveis cenas de deslizamentos do começo de 2010, visto que também fui quase sua vítima no réveillon deste mesmo ano.

Digo “quase” porque ao chegar na região serrana do Rio uma vozinha minimalista ao pé do ouvido (e o céu negro, renitente, juntamente com a água que não parava de cair e já inundar toda Trindade) me dizia “pegue tua Prêta e vai-te embora!”... Foi o que fizemos, e no dia seguinte as imagens na TV nos dizia que passar a virada na estrada de volta a São Paulo foi providencial, para não dizer “redentor”.

Postei, confesso, já prevendo a repetição dessas imagens no início deste ano, só não imaginava que seria um quadro ainda pior; mas há como dizer que trata-se de “tragédia” algo tão e tão anunciado?

Édipo sabia que iria matar o pai e possuir a mãe, e acabou concretizando a profecia ao tentar fugir dela... Isso me parece uma tragédia: o incontrolável, as lambadas do acaso!

Como dizer que o que vemos se repetir ano a ano - que já consta nos levantamentos e mapeamentos do poder público, já é sabido pelo morador (aliás, sem muita escolha) quando ali instaura sua morada, pelo empresário que ali investe em pousadas, hotéis, mansões de veraneio - como dizer que todas essas vidas perdidas, que todo tijolo arrastado pelas águas, é uma tragédia? Como dizer, também, que todo o “Ciclo Estufa” é uma tragédia???

Uma coisa me parece clara: enquanto o Estado maior - a união federal - não viabilizar um programa nacional de combate a enchente e o realojamento de construções das já sabidas “áreas de riscos”, veremos mais e mais esse quadro se repetir. Digo “união federal”, pois já enoja-me  ver o jogo de “empura-empurra”: o prefeito que diz que sozinho não dá conta e solicita ao governador que solicita à união que cobra dos municípios....

Não, não dá, não tem como mais engolir essa navalha demagógica!

A solução poderia ser simples (e dinheiro em caixa não faltaria para isso!): constrói-se um novo Ministério (já que adoram partilhar nosso dinheiro nessas grandes carteiras) com um nome bem sugestivo, “Ministério da Dor”, por exemplo, que será responsável pela cobrança - junto aos Estados e Municípios (e também envio de verbas, claro!) - e realização de um projeto amparado pela nossa Constituição, no nosso direito de ter moradia (fixa ao solo), por exemplo...

... e as verbas? Ah, verbas!!!, bem, se todo o nosso “fantástico” quadro econômico não puder subsidiar este programa (e até aceitamos um narizinho vermelho nas nossas caras – é por uma boa causa...), poderíamos, então, por em prática uma arrecadação emergencial – por uma simples medidinha provisória... – de um impostinho já previsto e nunca regulamentado, não se sabe o porquê, sobre as nossas “tordesilhescas” grandes fortunas ...

Taí, gostei: um comprimidinho de grandes fortunas analgésicas ao Ministério da Dor.... Apenas, talvez, muito sensato para sair do papel.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

" "

Eu sou aquele que não:
o nó cravado
no c
      o
     r
      d
     ã
       o
          umbilical

repolho podre no quintal
o bebê 
                        O
                                 B
                                E         
no bico da cegonha  S 
 O

o aborto                        
o coito inter
                        rom
pido

oco sutil
vácuo profundo
sopro vazio


zíper na boca
castração
o cadeado

       
Eu sou o que zero:
o mais transparente
e translúcido

R E F L E X O
      mudo

do

N
a
d
a
.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

- ... e a Crônica, Delarte?

Havia comentado na postagem de 20 de Dezembro do derradeiro ano os aspectos e a problemática de diferenciação dos gêneros literários “Conto, Novela e Romance”. Deixei de lado naquela ocasião a “Crônica Literária”, mas esta é bem mais fácil de identificar e reconhecê-la.
A etimologia da palavra já pode nos dizer muito, vem do Grego “Chronos” e está relacionado ao “tempo”. Pegamos a palavra “cronologia” e identificamos rapidamente este aspecto semântico.
Pois bem, a Crônica está vinculada à informação e surgiu, por sua vez, nos jornais, inicialmente como uma narrativa/relato de um fato em específico, logo, comprometido com o seu “tempo” histórico: acontecimentos, pano de fundo político, valores em discussão em determinado período e reconhecível pelo leitor como algo que diz a respeito ao seu “tempo” vivente, aos seus dias atuais numa seta apontada ao futuro.
Com o trabalho de muitos escritores nos jornais, iniciando aqui no Brasil com o Machado de Assis e passando até por Drummond, a Crônica foi ganhando aspecto e status de literatura.
A Crônica passa a se tornar literatura na medida em que ganha em trabalho formal e estético de linguagem, diferindo-se do “Conto” justamente por ter essa necessidade de se desenvolver em cima de um fato, informação ou contexto histórico. O “Conto” não tem essa “necessidade”, mas nada o impede de também se debruçar sobre uma notícia ou uma “discussão de momento”. Por isso, a linha que separa (se tiver) o “Conto” da “Crônica Literária” é, por muitas vezes, bastante tênue.
Nos jornais e revistas, no papel ou na net, a Crônica Literária geralmente se volta a um acontecimento, parte de uma notícia e também cumprem o papel de “informar” o leitor – uma informação por outro viés, repleto de crítica, ironia e valor estético.
Bem, esse blog também é um sítio de Crônicas. Quero deixar uma do Ruy de Castro que eu gosto muito, além de demonstrar bem o que eu disse até aqui. Então, sem mais melongas....

"Como um tumor"
(Ruy de Castro)

Cientistas da Universidade de Hiroshima, no Japão, criaram uma rã transparente, cujas intimidades ficam expostas e podem ser perfeitamente observadas pelo lado de fora. Com isso, salvaram-se gerações inteiras de rãs, porque os cientistas não precisarão mais dissecá-las para saber como reagem às substâncias que eles vivem lhes injetando. Outra vantagem é a de que poderão acompanhar uma rã por todo o seu ciclo de vida - o ciclo de vida da rã, claro, não dos cientistas.
Para chegar à rã transparente, os japoneses, craques em engenharia genética, levaram anos cruzando exemplares de rãs albinas. E agora partiram para aperfeiçoá-la: vão fazer com que qualquer corpo estranho que apareça dentro da rã se acenda. Um tumor, por exemplo.
Já no Marrocos, também nesta semana, os cientistas da Universidade de Rabat conseguiram com que um pato nascesse no ovo de uma galinha. Se isso lhe parece meio mixo (afinal, no mesmo dia, em Recife, uma avó deu à luz seus próprios netos, lembra-se?), saiba que a proeza marroquina é considerada mais importante, pelo fato de os palmípedes e os galináceos constituírem famílias diferentes.
Por coincidência, é o que se está discutindo em Brasília nos últimos dias: um político gerado num ovo destinado a palmípedes pode se baldear no meio do mandato para o terreiro dos galináceos, por ver neste mais oportunidades para ciscar? Em princípio, não. Mas e se o eleitor só quiser saber do pinto ou do pato, e não do ovo de onde ele saiu?
Essas mudanças nunca são de graça. Assim, sugiro convocar os japoneses para cruzar nossos políticos com as rãs albinas e, com isso, criar políticos transparentes. Quando um deles recebesse um corpo estranho - uma propina, por exemplo -, esse corpo se acenderia. Como um tumor.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

“O Nascimento do Capitão”



Para começar 2011, digo que finalmente encontrei um tempinho entre as festas (do tão movimentado e nostálgico 2010!) para assistir a sequência nº 2  do “Tropa de Elite” que, literalmente, está “bombando” nas nossas telonas. De cara, uma coisa salta aos olhos:

“Não é que o capitão envelheceu mesmo!” – grande maquiagem aliada a convincente  interpretação de Wagner Moura, tudo nos faz crer que estamos a mais de uma década daquelas cenas que não saem da nossa cabeça; mas estaremos mesmo?

O filme parece flutuar entre a ficção e o documentário, e não há como romancear, sabemos que “vivemos” no coração dos fatos. A impressão que tive (e prometo não detalhar muito nem estragar a surpresa daqueles que não assistiram) é que como “filme” (narrativa, cenas, ritmo...)  o primeiro supera o segundo, por outro lado, se estamos tão atrelados à “realidade histórica” do enredo, o segundo ganha em “valores políticos, humanos e democráticos”, fazendo nascer por inteiro este que já estão chamando de “o primeiro grande herói brasileiro”. Fatalmente esquecem do emblemático “Macunaíma”, mas, falando sério, este último não reflete as características de um povo, reflete, sim, o anseio deste, e não há como não vestir a pele do capitão e se deslumbrar com a ilusão de “potência” que essa catarse nos causa...


Eis o Nascimento do Capitão!!!  Na verdade, Coronel, Sub-secretário, e não duvido que na sequência 7 ou 8 o veremos numa cadeira de segurança da ONU ao lado de um fictício ex-presidente ex-sindicalista... Se no primeiro “Tropa” o capitão era como o Super-man que mal desconfia da própria existência, reproduzindo tudo aquilo que fora programado como mais uma “peçinha burra do sistema”, no segundo (Aleluia!) ele tem um insight secular que o faz enxergar a si nesse dito “sistema” e ampliar, digamos, o “rol de culpados” da nossa endêmica tragédia de (in)segurança pública...

O que o Padilha consegue é no mínimo interessante: arranca risos de cenas de tortura e lágrimas de fogos cruzados; isso porque os personagens são incrivelmente “humanos” e se, ao menos para mim, a identificação com o herói no primeiro era de 30% versus 70% de antipatia, no segundo não há como não vestir 100% a farda e querer acabar na base da bala, like a Rambo, com todos os canalhas e corruptos do nosso varonil país...

Talvez seja isso, perde-se a estética da linguagem e a polêmica ambiguidade moral do herói para se ganhar em ética e aprofundamento investigativo, quase documental, tão inevitavelmente colado está à realidade...

O “sistema” de que tanto o filme fala não é, como pode parecer, um sistema econômico (capitalismo X socialismo), mas um “sistema de autoridade”, de “controle pela e para autoridade”, conceitos de Foucault que dá um gostinho “intelectual” ao filme que ao mesmo tempo beija e bate na cara da “intelectualidade humano-esquerdista”, afaga e exorciza os valores e atitudes da nossa histórica direita, enfim, longe do lugar comum e saborosamente provocador, o filme já pré-anuncia a sequência “nº 3”, e até que nossos problemas de civilidade estejam resolvidos, já prevemos que a saga não deve, talvez “não tenha o direito”, de ser só uma trilogia.