Havia comentado na postagem de 20 de Dezembro do derradeiro ano os aspectos e a problemática de diferenciação dos gêneros literários “Conto, Novela e Romance”. Deixei de lado naquela ocasião a “Crônica Literária”, mas esta é bem mais fácil de identificar e reconhecê-la.
A etimologia da palavra já pode nos dizer muito, vem do Grego “Chronos” e está relacionado ao “tempo”. Pegamos a palavra “cronologia” e identificamos rapidamente este aspecto semântico.
Pois bem, a Crônica está vinculada à informação e surgiu, por sua vez, nos jornais, inicialmente como uma narrativa/relato de um fato em específico, logo, comprometido com o seu “tempo” histórico: acontecimentos, pano de fundo político, valores em discussão em determinado período e reconhecível pelo leitor como algo que diz a respeito ao seu “tempo” vivente, aos seus dias atuais numa seta apontada ao futuro.
Com o trabalho de muitos escritores nos jornais, iniciando aqui no Brasil com o Machado de Assis e passando até por Drummond, a Crônica foi ganhando aspecto e status de literatura.
A Crônica passa a se tornar literatura na medida em que ganha em trabalho formal e estético de linguagem, diferindo-se do “Conto” justamente por ter essa necessidade de se desenvolver em cima de um fato, informação ou contexto histórico. O “Conto” não tem essa “necessidade”, mas nada o impede de também se debruçar sobre uma notícia ou uma “discussão de momento”. Por isso, a linha que separa (se tiver) o “Conto” da “Crônica Literária” é, por muitas vezes, bastante tênue.
Nos jornais e revistas, no papel ou na net, a Crônica Literária geralmente se volta a um acontecimento, parte de uma notícia e também cumprem o papel de “informar” o leitor – uma informação por outro viés, repleto de crítica, ironia e valor estético.
Bem, esse blog também é um sítio de Crônicas. Quero deixar uma do Ruy de Castro que eu gosto muito, além de demonstrar bem o que eu disse até aqui. Então, sem mais melongas....
"Como um tumor"
(Ruy de Castro)
Cientistas da Universidade de Hiroshima, no Japão, criaram uma rã transparente, cujas intimidades ficam expostas e podem ser perfeitamente observadas pelo lado de fora. Com isso, salvaram-se gerações inteiras de rãs, porque os cientistas não precisarão mais dissecá-las para saber como reagem às substâncias que eles vivem lhes injetando. Outra vantagem é a de que poderão acompanhar uma rã por todo o seu ciclo de vida - o ciclo de vida da rã, claro, não dos cientistas.
Para chegar à rã transparente, os japoneses, craques em engenharia genética, levaram anos cruzando exemplares de rãs albinas. E agora partiram para aperfeiçoá-la: vão fazer com que qualquer corpo estranho que apareça dentro da rã se acenda. Um tumor, por exemplo.
Já no Marrocos, também nesta semana, os cientistas da Universidade de Rabat conseguiram com que um pato nascesse no ovo de uma galinha. Se isso lhe parece meio mixo (afinal, no mesmo dia, em Recife, uma avó deu à luz seus próprios netos, lembra-se?), saiba que a proeza marroquina é considerada mais importante, pelo fato de os palmípedes e os galináceos constituírem famílias diferentes.
Por coincidência, é o que se está discutindo em Brasília nos últimos dias: um político gerado num ovo destinado a palmípedes pode se baldear no meio do mandato para o terreiro dos galináceos, por ver neste mais oportunidades para ciscar? Em princípio, não. Mas e se o eleitor só quiser saber do pinto ou do pato, e não do ovo de onde ele saiu?
Essas mudanças nunca são de graça. Assim, sugiro convocar os japoneses para cruzar nossos políticos com as rãs albinas e, com isso, criar políticos transparentes. Quando um deles recebesse um corpo estranho - uma propina, por exemplo -, esse corpo se acenderia. Como um tumor.