quinta-feira, 28 de julho de 2011

"Sob o Olhar de João Barcellos"

Recebi esse texto do grande escritor e conferencista João Barcellos e não poderia deixar de publicá-lo aqui...

Eis o seu olhar sobre o meu (e porque não nosso(s)?) "Sentimento do Fim do Mundo".

Ergo a dionisíaca taça e também brindo contigo, amigo, a total, absoluta e irrestrita Liberdade!







Sob Um Olhar De
Willian Delarte

  

“Ocorre-me um Eu
global e tão pequenino...
Outros percebo nest´Eu.
Ó mundo, sempre parido!”

BARCELLOS, João
– ´Versátil Eu´, poema, 1982.  



   O que é a Pessoa em sua Humanidade? Um rastro de si mesma legando-se a cada nova geração... Talvez. Somos um Algo telúrico-cósmico entre fronteiras próprias, por isso, como já fazia Sócrates, parimos a cada palavra um diálogo que nos permite filosofar e dizer do Eu-Pessoa e estar [e às vezes, ser] Outro. E quando o Outro é Outros temos uma geração de Comunidade, da Família à Nação. Ou seja: a Pessoa faz a Cidade, como faz o Dinheiro, a Guerra e a Divindade. É esta Pessoa, tanto poética quanto bélica que ama e destrói.
   E enquanto Cidade ela permite-se construir submundos físicos e psicológicos, elitizados ou não, mas volta sempre ao Eu-Pessoa quando o sentimento a chama para o patamar da razoabilidade social, e se isso não acontece eis que ela mesma é o Algo-nada, o Algo em autodestruição.
   Sabemos que a todo o instante “...o Nada/ absoluto/ se esvai no soluço e na fumaça”, como canta Willian Delarte, ao falar-nos sobre o Sentimento Do Fim Do Mundo, livro primeiro a dizer, também, de Si e da sua geração. Ele fala-nos de um certo O Novo Mundo, que passa por um certo O Mundo Perdido que se reencontra nos fiapos que ele denomina E O Fim (Ou Retalhos De Mundo), numa observação que [nos] revela “...os estágios da vivência do Eu que nasce para morrer e, em tal circunstância, traça uma história tão subjectiva quanto colectiva na óptica cidadã”, como ensina J. C. Macedo [in ´Poesia & Vida´, Braga/Pt, 1972]. Eis, também, o traçado que Willian Delarte revela nesta poética de amor e de angústia pelas circunstâncias adversas que levam a Pessoa para aquele estágio heideggeriano do ser-estar conscientemente vivido.
   O Sentimento Do Fim Do Mundo é uma poética do Ser-artista que o é em Si-mesmo e com os Outros, i.e., a Pessoa que gosta de viver amando.
  
   Aqui ergo a minha taça com o néctar divino que só o é porque nele penso.
   Evoé cara, evoé!


(Conheçam mais sobre o trabalho de João Barcellos no site "http://www.noetica.com.br/")



terça-feira, 5 de julho de 2011

Letra Envenenada - Edição Julho/11


Amigos,

A edição de julho do jornal "Conteúdo Independente" já está na praça de Cotia, Vargem Grande Paulista e região, com layout novo e cheio de novidades!

Ler:




Baixarhttp://www.4shared.com/document/886iawdw/jornalcin16julho2011.html

Abaixo o conto publicado na minha coluna "Letra Envenenada", dedicado à campanha "Viver Sem Medo" (informações da campanha na parte inferior deste blog. Não deixe de divulgá-la e assinar a petição!)

Participe da promoção do meu livro, elaborada pelo jornal, ao fim deste post!



"O JOGO"

Como tudo começou? Ora, não é tão simples saber. Nunca tive síndrome alguma, e essa história de jogar com o próprio destino talvez fosse até um pouco de coragem. Só que agora estou aqui, todo cadeado, e nem insista em me puxar, não dá: meus pés criaram raízes e abraçam, por baixo, todo o asfalto. É o destino. Vejo agora sua cara leitosa que vivia encoberta por um velho e despedaçado capuz. Capuz negro.  Tirei-o, é isso o que me paralisa: não há cara, não há nada! Quando pequeno, o jogo era simples e inocente, foi surgindo da espontânea magia que sempre me incitou a vida. Acho que é  isso: mágica!, uma vontade inexplicável de encantar o futuro, servia para ganhar presentes no natal ou boas notas em Matemática. Como era? Ah, até que divertido! Eu mirava, por exemplo, um azulejo losangolar específico na calçada, dessas em que se alternam aleatoriamente sempre um preto e um branco, e pensava profundamente “se eu pisar só nos brancos até o primeiro semáforo...”, e a essa condicional seguia-se sempre uma graça que alcançaria. Se triscasse na cor errada, tratava de mudar rapidamente toda a regra do jogo, o que fazia minha mãe se irritar e quase sempre me dar uns safanões. Eu não ligava, largava sua mão e iniciava meus insanos malabarismos, isso porque, ao invés de só pisar nos losangos brancos – de acordo com a nova regra surgida do erro e do acaso –, deveria alcançar um negro a cada dez brancos, por exemplo, não importando onde esse estivesse. Coincidência ou não, nunca tais graças deixaram de se realizar. Minha mulher, por exemplo, foi consagrada assim: “se conseguir pisar, somente com o pé direito, nos traços que separam um ladrilho do outro, ela me amará!”. Percorri dois quarteirões num pé só e no final do ano já estávamos casados e felizes para sempre, para todo-o-sempre que se suspende exatamente agora! Não, não me puxem: vejo tudo embranquecer, a garganta secar, a mão suar, os dedos tremelicarem com os dentes, e sinto que a qualquer momento tornar-me-ei uma pálida e ignara pedra. Por que agora? Há de ser o destino... Vinha tranquilo, distraído, contando os passos para que chegasse à porta do banco numa passada de número ímpar - coisa que encadearia uma série de notícias abençoadas no meu trabalho - quando me deparei com esta encruzilhada. Aguardei o sinal verde e me pus a atravessá-la tranquilamente na faixa de pedestre, ainda a contar os passos, quando um pensamento me surgiu: “se pisar somente nas listras, terei uma vida intensa e duradoura!”... Horror, parem com as buzinas! Há uma coruja me atravessando, pousada no semáforo, piando, rindo... Não consigo mudar o jogo, só saio daqui morto, aliás, estou morrendo desde o momento em que um segundo pensamento me veio: “se pisar entre as listras, morrerei”. Não posso mover um mísero músculo sequer, é chegada a hora: o destino me sorri largamente entre as listras e não posso simplesmente colá-las sob os pés.




domingo, 3 de julho de 2011

Sarau "Poesia na Brasa" comemora 3 anos de resistência e sua terceira antologia...


Sábado, 2 de julho, dia festivo para o sarau "Poesia na Brasa" que comemorou 3 anos de vida com o lançamento de mais uma antologia, a de nº 3!



"Bar do Carlita" e rua tomados, palco montado, e os tambores chamando os poetas para mais uma celebração da arte e da cultura: é a periferia e a Brasilândia na mais bela festa da "resistência"!








Neste ano a festa constou com muita música e teatro: o "circo da consciência" armado e solto na rua...




Parabéns sarau "Poesia na Brasa", muito anos de vida, de arte, de luta e conscientização...

Força periferia!



sexta-feira, 1 de julho de 2011

SUBSOLO - QUESTÃO DE "OPNIÃES"...

           
            Caríssimos amigos e leitores,
           
            Recentemente tive um conto meu comentado/criticado no artigo da “Revista Opiniães” (revista literária dos pós-graduandos em Literatura Brasileira da FFLCH-USP) que gerou um diálogo crítico entre nós muito significativo e interessante. Trata-se de um conto publicado como vencedor do “II Festival de Literatura da Faculdade de Letras-USP”.
           
           Seguem abaixo: o conto na íntegra, logo após o referido trecho do artigo, e, ao fim, os meus comentários, que deverão ser publicados numa futura edição da revista.


            Para quem gosta de pensar sobre “temporalidade” e estrutura geral de um conto, é uma boa pedida. Confira!

“SUBSOLO”

Acordaria.
Ou no abrir dos olhos ou no momento crucial em que a água bateria nas costas.
Com a face encoberta de creme e gilete nos dedos, correria até o aparelho de som. Uma grave voz, usurpando o espaço acústico daquele cômodo fechado, denunciaria o tempo daquela manhã.
As vestes, organizadas e estendidas no dia anterior sobre a escrivaninha, encaixar-se-iam perfeitamente em seu corpo já elétrico.
No elevador, o primeiro pensamento do dia adentraria desconexo no apertar do “T”: Tony, reunião com Tony; o segundo também: licitação; e o terceiro: parecer tributário com John, e ainda outros mais ou menos claros e/ou interligados.
Acenaria ao porteiro na medida em que subiriam os vidros fumês. O velho senhor nordestino, com um sorriso e outro aceno, apertaria o botão. O portão fecharia segundos depois que o conversível cantasse pneu e virasse a esquina do quarteirão.
No parar de um sinal e outro, algumas placas sugeririam mais pensamentos. A música noticiosa ofuscaria qualquer som que viesse de fora dos vidros.
Travaria o cadeado no câmbio. Estacionaria o carro a algumas ruas paralelas.
Cafezinho rápido.
Na padaria logo à frente examinaria alguns papéis sobre o balcão. Caminharia dali sem problemas até o escritório da multinacional.
Atravessaria a faixa de pedestres à medida que o Sol, já quente, derramaria algumas gotas de suor da testa para debaixo dos óculos escuros. Levantaria a manga do terno para se secar.
No instante entre o recolocar dos óculos e uma breve olhada diagonal, avistaria uma praça, muitos pombos e uma criança correndo...
A garotinha ri sempre que, ao correr para pegar um rabinho qualquer, sente um vento no rosto: o vento que sai das asas dos passarinhos! Quase sem fôlego, volta correndo até o avô que, abrindo a mão, entrega-lhe mais milho. “Agora eu pego! Quer ver, Vô?” Se conseguir, é certo que a Mamãe lhe dará muitos beijos; e também vai dar uma pena pro Papai, outra pra Titia... Joga outra vez bem pro alto. Bate palminha ao ver todas ao seu redor. Olha o Vô que com um gesto diz  “vai!, pega!”. A pombinha malhada, aquela de manchinhas pretas, está bem à frente. Excitada, a garotinha olha outra vez pro Vô, junta as mãozinhas, põe um dedo na boca e prepara o bote que dessa vez será fatal!...
Colocados os óculos, esbarraria no transeunte que viria em direção contrária. Sem desculpas, os dois apressados chegariam ao outro lado da rua antes que o sinal abrisse.
Lembraria sua filha quando pequena, sensação incerta que sentiria de relapso entre o som de uma buzina e a vista de um outdoor eletrônico.
No elevador, o “S” de “Subsolo” invocaria o último pensamento do dia: Silvia. Se não esquecesse, seria preciso marcar um jantar naquela semana – muitas coisas restariam confusas desde aquela súbita separação.


Abaixo o trecho da edição de nº 2 da Revista Opniães (pag. 126), artigo “Reflexões Acerca da Escrita na Atualidade”, por Edilson Dias Moura e Mario Tommaso.

(...)

Algo curioso, nos contos publicados, é que eles apresentam estruturas bem parecidas. É um pouco do que ocorre com o poema de Alípio Freire: parece haver neles a dependência do que há de atraente no gênero, isto é, ser suporte de um olhar para o mundo atual em busca do que nele parece se apresentar de modo difuso.

O conto “Subsolo”*(1) de Willian Delarte*(2), segundo este último aspecto, é um bom exemplo desse tipo de uso e procura. Trata-se de uma narrativa fragmentada pelo olhar de um executivo em seu trajeto ao trabalho. E é conforme a sensorialidade do mundo que o personagem se mostra: seu despertar se dá com o choque da água; no momento em que se barbeia, corre para ouvir, segundo a sonoridade, a previsão do
tempo para o dia; descendo o elevador, o “T” do botão, térreo, lhe lembra o nome de um dos membros da reunião daquela manhã. O mundo é sensorialmente captado pelo personagem em função dos compromissos sociais. Tais sinais servem como estímulos
num mundo administrado silenciosamente pelos botões:

“Acenou ao porteiro na medida em que subiam os vidros fumês. O velho senhor nordestino (...) apertou o botão [da portaria]”5. E “no parar de um sinal
e outro, algumas placas [de trânsito] sugeriram mais pensamentos acerca da reunião”.

Em poucas linhas, apresenta-se determinada situação de estímulos sensoriais, segundo a linguagem de um mundo maquinal, que só vai ser interrompida pelo elemento humano.

No momento em que o personagem atravessa a “faixa de pedestre”, entre o levantar os óculos escuros e enxugar uma gota de suor, vê uma criança correndo atrás de pombos numa praça. É o parágrafo mais longo, doze linhas, em que se observa, em poucos segundos, a interação humana entre um avô e sua netinha, na praça, dando milho aos pombos. Tal cena, diferentemente dos sinais e símbolos, distingue-se exatamente por não ser estímulo, mas por anulá-lo. Ela quebra a sequência maquinal, desliga o personagem, esvazia sua mente, comandada pelos botões, e o faz trombar com um pedestre: “Colocados os óculos, esbarraria no transeunte que viria em direção contrária. Sem desculpas, os dois apressados chegariam ao outro lado da rua antes que o sinal abrisse.”

Ora, é notável o uso do tempo nessa pequena narrativa: o uso do futuro do pretérito simples indica que nada aconteceu. A menina evoca a lembrança da filha, a relação humana, a esposa de qual provavelmente havia se separado. O conto termina com a sentença: “Se não esquecesse, seria preciso marcar um jantar naquela semana: muitas coisas estariam confusas desde aquela súbita separação”.

O fato de ter usado o tempo futuro do pretérito subverte o sentido aparente de uma conciliação. O mundo capitalista, maquinal, de linguagem matemática e mecânica vence as relações humanas. O “se não esquecesse” não é presente, mas um presente suposto num futuro do pretérito. Muito embora fique um pouco confuso no final – o autor poderia trabalhar um pouco melhor a temporalidade nos últimos parágrafos –, é um bom conto. Depende de uma estrutura nem um pouco nova, mas reflete minimamente a linguagem do presente, procura nela talvez algo de que não tenhamos ainda nos dado conta.

*1 – no texto original consta “Uma Manhã”, alterei pelo título atual do conto “Subsolo”.
*2 – no texto original consta meu nome civil, alterei pelo autoral.

(...)


A Revista Opniães entrou em contato e eu enviei por email os meus comentários acerca do artigo e minha visão sobre a temporalidade do conto.  Abaixo, os trechos relevantes.

           
Olá equipe da revista “Opiniães”,

A priori, informo que na inclusão desse conto no projeto oficial de um compêndio de narrativas curtas (a ser publicado) o título “Uma Manhã” foi alterado para “Subsolo” (em anexo a versão oficial), também passei a usar o nome autoral “Willian Delarte” (...) .
Concordo com a visão proposta à narrativa e parabenizo os pós-graduandos Edilson Dias Moura a Mario Tommaso pela clareza e agudeza de interpretação. Apenas amplio a discussão a respeito da última passagem do conto, a saber:
                “Se não esquecesse, seria preciso marcar um jantar naquela semana – muitas coisas restariam confusas desde aquela súbita separação”
                Uma pequena observação: a palavra “estariam” foi alterada nessa nova versão pela “restariam”, o que, no bem da verdade, não interfere na temporalidade, apenas acrescenta a idéia do “subsolo cognitivo”, esse universo temporal subjetivo não acessível à personagem – os  “escombros de sua própria mente” - considerando que, como bem dito, ela passa pela realidade “no automático”, movido apenas por estímulos externos.
                Voltando à questão da temporalidade, é preciso dizer que nessa nova versão o tempo narrativo está organizado rigorosamente em dois grupos, sendo:
 Narrativa no “Futuro do Pretérito”O Tempo do “não acontecimento”.
Narrativa “no Presente”O tempo do “viver”, da realização de um história humana.
                A crítica, pois, em sua conclusão, afirma que a avocação de um “presente suposto num futuro do pretérito” (“Se não esquecesse...”), deixa “confusa” a temporalidade nos últimos parágrafos. Penso, entretanto, que o uso verbal dessa passagem é adequado e necessário à estrutura temporal do conto, ou seja, à necessidade de mantê-la ainda no tempo do “não acontecimento”.
Explico-me. Imaginemos que eu narre esse trecho no presente (tempo do viver) e, por conseguinte, também no “hipotético futuro desse presente”:
                “Se não esquecer, será preciso marcar um jantar...”
                A construção infinitiva “se não esquecer”, por sua vez, é um “suposto futuro desse presente”, e “será” o futuro “real” dele . Logo, quando a narrativa se desenvolve no “futuro do pretérito” (“seria preciso”), por coesão da estrutura interna proposta pelo conto, esse “hipotético futuro desse tempo” (“se não esquecesse”) torna-se necessário para que a narrativa se mantenha firme no tempo do “não acontecimento” em oposição ao único tempo presente em todo o conto, a passagem “vivida” pela menina e seu avô.