quinta-feira, 27 de setembro de 2012

VOZ ATIVA! (Hip Hop: Flertando com a Poesia )


Era o comecinho da década de 90.  Moleque de tudo... Meu vizinho, um tanto mais velho, tinha arranjado um vinil e me chamou pra escutá-lo. Pomposo, todo bonitão, preto e branco, mais preto que branco, e um preto por trás de uma grade... Porra, aquilo era Rap!, mas de cara percebi que era algo muito diferente daquilo que Pepeu me cantava com nomes de menina.

 Eu tenho algo a dizer
E explicar pra você
Mas não garanto porém
Que engraçado eu serei dessa vez!

Porrada, porrada, uma porrada atrás da outra!, e incrível é notar como me lembro perfeitamente da dor destas porradas e do alumbramento que foi este primeiro contato com os Racionais. Fiquei quieto, apreensivo, ouvido grudado na caixa do três-em-um CCE do meu amigo.

Sei que problemas você tem demais
E nem na rua não te deixam na sua
Entre madames fodidas e os racistas fardados
De cérebro atrofiado, não te deixam em paz

O vinil, creio, tinha três versões desta mesma música, e na terceira audição eu já estava arriscando umas rimas com o cara de voz seca, arame farpado, que já aí eu descobri atender pelo cromático, e sonoro, nome “Brown”.

Chega de festejar a desvantagem
E permitir que desgastem a nossa imagem

Eu conhecia Tim, meu pai tinha o seu vinil “Racional”, mas eu nem ligava uma coisa à outra, nem imaginava que os negros brasileiros criavam uma contracultura e que se firmaria, hoje em dia, século XXI, na única cultura musical de “voz ativa” deste país. Eu nem sabia que o Hip Hop era ainda maior que isso tudo.

Mais da metade do país é negra e se esquece
Que tem acesso apenas ao resto que ele oferece
Tão pouco para tanta gente
Tanta gente, tanta gente na mão de tão pouco

Depois veio o disco que os lançariam às fm´s paulistas, estas que arriscavam  enfiar o RAP entre pagodes, poperôs e afins... Mano na Porta do Bar, Fim de Semana no Parque, Um Homem na Estrada!...  Porra, a molecada pirava e entoava palavra por palavra... Eu não entendia de música, não entendia de merda nenhuma, mas sentia que tudo aquilo era maior que os dias monótonos em que meu pai voltava tarde do trabalho e minha mãe se virava pra também trazer o pão. Aquilo era Arte, mas eu não sabia.

O carnaval era a festa do povo
Era, mas alguns negros se venderam de novo
Brancos em cima negros em baixo...

Benvidos ao Brasil colonial...

Anos mais tarde o Rock também veio me trazer o aparato estético que me levaria a conhecer Bethoven, Choppin, e tantos outros gênios da música erudita. Minha formação cultural foi, sim, autodidata, levada e embalada desde o início pela música popular, e foi o Rap na sua oralidade latente, o Rap nacional!, nas letras e nas farpas dos Racionais MC´s , que plantou e fez crescer em mim toda essa indignação, essa revolta, essa fome de liberdade e poesia que também tento, hoje, sublimar em Arte.

Justiça é o que nos motiva
 a minha, a sua, a nossa voz ativa!



* Texto lido no evento "Hip Hop: Literatura, Memória e Oralidade", 26/09/2012, no Matilha Cultural-São Paulo/SP)
 
Link para audição no youtube da canção “Voz Ativa” dos Racionais MC´s (do álbum “Escolha seu Caminho” - 1992): http://www.youtube.com/watch?v=8JPJ9P9ptvk
  




quinta-feira, 13 de setembro de 2012

DA ETERNIDADE




“a minha história é canção de bêbados
feito uma árvore que come pássaros”

(José Paes de Lira)


uma borboleta

uma borboleta pousou

uma borboleta pousou na samambaia e eu

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me todo para pousar em mim

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me todo para pousar em mim silencioso e capturar

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me todo para pousar em mim silencioso e capturar tudo aquilo antes

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me todo para pousar em mim silencioso e capturar tudo aquilo antes que tudo aquilo fosse só

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me todo para pousar em mim silencioso e capturar tudo aquilo antes que tudo aquilo fosse só passagem e borrão

uma borboleta pousou na samambaia e eu tive que desenvergar-me todo para pousar em mim silencioso e capturar tudo aquilo antes que tudo aquilo fosse só passagem e borrão na memória




"The Artist in His Studio"
(Rembrant - 1606-1669)



sábado, 8 de setembro de 2012

TECENDO OS PRIMEIROS FIOS


"Fio das Moiras" é um projeto audacioso que estou tocando com o parceiro, irmão e grande ilustrador, Tiago Costa, e que pretende reunir para sua realização diversas linguagens artísticas, tais como: música, poesia, ilustração gráfica e animação.

A mitologia universal de todos os povos é o nosso ponto de partida e "grande mote", e sua recriação e ressignificação, nos diversos contextos que podem surgir, a nossa grande meta.

Anuncio aqui os primeiros passos deste nosso sonho, e, claro, o nosso logo oficial!





"estou a fio
só por um fio

ceifando o branco fio
das horas

afoito à foice

tecendo o sangue e cio
do agora"
 
(trecho de "As Moiras", 1ª faixa-poema trabalhada por nós e inspiradora do título do projeto)