quinta-feira, 9 de junho de 2011

Letra Envenenada - Edição Junho/11

Caros amigos e leitores,

Já está na praça mais uma edição do jornal "Conteúdo Independente"!

Baixe na íntegra: http://www.4shared.com/document/Z_GZxCI8/jornalci_n15_junho2011.html

Abaixo a crônica publicada na minha coluna "Letra Envenenada" com mais uma charge do Mano Edê!

Axé e uma boa leitura!


"Questões de Gênero"

            O fato é que tudo me surgiu de uma vez só e até então não havia seriamente me deparado com esta questão...

            Sexta-feira, fim de expediente. São Paulo fervilhando em odores de cansaço, carbono, metano e colarinhos de cerveja... Talvez não cheirasse realmente a esta última e a simples vontade de afogar o “leão-da-semana” tenha-me forjado essa ilusão. Certo é que desci do ônibus na ânsia de fugir do trânsito e encontrar tão refrescante iguaria.

            Estava na Vital, fronteira do Jockey Club com a Cidade Universitária (geografia que por si justifica o surgimento desses primeiros personagens) quando presenciei dois travestis-de-programa na calçada, caminhando lentamente à minha frente e discutindo nuances do mercado: 

“A coisa tá feia, pior a cada dia! Vou parar de tomar hormônios...”

            “Nem me fale! E quem quer saber de afeminados? Querem machões e marombados... Faz tempo, amiga, que esses seios não divertem mais ninguém!”

            Achei curiosa a situação. Quis diminuir a passada para escutar um pouco mais, mas o pudor - ou seja lá o que for - me impediu que o fizesse... Travesti precisa “se masculinizar” para atender seu restrito público masculino? Quem entende?...

            Entrei no primeiro boteco que encontrei e me deparei com um pequeno balcão onde uma única mulher - jeans e camiseta, sem qualquer encanto ou delicadeza - entornava a dita gelada enquanto nas mesas vários marmanjos, quietos e apreensivos, acompanhavam a novela numa telona na parede. Só pode ser o último capítulo!, pensei estranhado.

Sentei ao lado da mulher e pedi uma cerveja. Os homens voltados à tevê e a indiferença desta para tudo o que a cercava faziam com que me sentisse profundamente deslocado e só. Tomei toda a garrafa e dei uma pausa para fumar... Na época, era novidade ser crime fumar em lugar fechado, e só o ato de ter que sair para tragar um cigarro parecia me roubar uma fatia considerável de minha milenar virilidade.

Camelôs de CD´s e DVD´s piratas, com rádios e tevês ligadas, tomavam conta do lado de fora do bar. Uma tela em especial me chamou a atenção: um grupo de andróginos seres que, pela distorção da guitarra, julguei tocarem rock, apresentavam-se com ursinhos na mão, chapinha nos cabelos e coraçãozinhos virtuais piscando atrás do palco... Fiz uma oração mental em memória dos ossos e do apertado túmulo de Jimi Hendrix e voltei ao bar, cabisbaixo.

A novela insistia em não terminar, já marejando alguns olhos por ali... A mulher permanecia lá, mandando ver no caneco! Só tinha uma alternativa. Aproximei-me, um pouco sem jeito, e questionei se ela torcia para o São Paulo. Disse-me, incisiva, batendo firmemente a palma da mão no balcão, que “torcia pra time de macho!”.

Gritei ao garçom: “manda mais duas!”. Ninguém ofenderia assim o Tricolor sem me comprovar ter tirado algum passaporte nos últimos dez anos...     





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