sexta-feira, 13 de junho de 2014

BOLA DO DONO. BOLA MURCHA


A abertura foi o retrato cristalino da copa no Brasil: jogo roubado, gol contra e de bico, arquibancada branca, show fuleco com artista importado e nacional controverso, juiz comprado, mídia comprada, comissão técnica comprada, jogadores comprados e, lá fora, a polícia mais sanguinária do país fazendo seu serviço sujo. É mesmo pra se chorar no hino.

Choro vendido.



sexta-feira, 6 de junho de 2014

LEIA-SE: "AINDA COMETO UM SAMBA"


Recentemente tive a honra de pitacar na orelha deste primeiro (e grande) romance do querido irmão Walner Danziger. Abaixo o texto e a devida recomendação!


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"Este livro que cai em sua mão, distraído leitor, não se engane: é um delicioso tapa na cara! Papo reto, direto ao ponto, sem goré-goré. Mais: é uma experiência rítmica, batuqueira, em perfeita conformidade com a música que a tudo permeia e invade a sintaxe do romance.

Com um linguajar que lhe é peculiar, e estilo muito próprio, Walner Danziger consegue o inusitado: um desfile de cenas quotidianas, sensuais, trágicas e bem humoradas, que vai passando pelos nossos olhos à moda dos grandes carnavais. O surgimento das Escolas de Samba e sua evolução no tempo - como eixo de uma estrutura social a que chamamos “Comunidade” - são pano de fundo para o autor lançar seu telescópio certeiro sobre o Humano e suas angústias: existencial, social e política.


Homem do teatro que é, o autor se deixa claramente influenciar por este universo formal, seja na montagem das cenas, seja em certa caracterização típica das personagens. Poderíamos ainda pensar na relação com o cinema, na forma cinematográfica em que os capítulos se entrelaçam, nos zoons, nos flashbacks, nos deslocamentos. Poderíamos citar Plínio Marcos ou, quem sabe, um Pedro Almodóvar? Mas eis aqui, acima de tudo, uma boa literatura. Realismo ácido, sem qualquer moralismo barato, sem massagem nem xilocaína. Influência “beat” na veia, saborosamente maldita.


Ainda mais: um texto totalmente marginal e de profunda identidade com a massa de seu povo, sua gente menos abastada, enfim, a maioria de nós que, como Shéq ou Simpatia (personagens centrais desta trama), matamos mil leões por dia, engolimos outros tantos sapos e estamos a um fio de cometer uma tragédia, um ato de amor: um Samba".




* O livro pode ser encontrado na Livraria Suburbano Convicto (Rua 13 de Maio, 70, 2o and - Bixiga, São Paulo/SP) ou diretamente com o autor pelo email "walnerdanziger@gmail.com".






quinta-feira, 5 de junho de 2014

CRÔNICA ENVENENADA: "PETER PAN NA TERRA DO JÁ"


Não deveria ter seguido aquele rato até a toca, mas Peter não nasceu para seguir deveres. Lá dentro, sem perceber, entrou numa estranha tubulação e fora engolido.

Um segundo depois, quando pressionou a tampa do esgoto e, com a cabeça para fora, viu os prédios a lhe engolir, teve ânsia. As buzinas o deixavam ainda mais tonto. Vomitou. Vomitou e foi rapidamente multado por sujar a cidade. Tentou voar, mas já não sabia. Resistente, levaram-no à delegacia.
           
Sem saber explicar o que fazia nas tubulações de esgoto, e sem pai, mãe ou advogado a quem pudesse recorrer, Peter foi enjaulado com mais cem animais num quadrado que cabiam dez. Estranhou não estar, ao menos, junto com as crianças desse mundo. Desolado, passou a mão no queixo. Percebeu que ganhara barba e que as horas corriam demais por aqui.

Saiu da prisão no dia seguinte, já com sessenta e cinco anos. Sem nome, sem história, um cachorro amigo e papelões nas costas. Dois segundos depois um garotinho o estranhou pelas ruas.

- Mãe, por que o velho de verde não para de bater os braços?
- Não olhe, problema na cabeça.
- Na cabeça?
- Vamos!
- Mas mãe...
           
Em sua última olhada para trás, já distante, o menino viu o velho no tamanho de um polegar. Fechou um dos olhos e colocou o dedo rente ao olho aberto, tapando por completo a imagem de Peter. Quando retirou o dedo, o velho não estava mais lá. Poderia jurar que voou. Jurou. Ideia criou raiz. Problema na cabeça. O menino não cresceu. E viveu demais.


Cinco dias após sua morte o garoto muito velho fora encontrado sozinho. Sem parentes, sem ninguém, não houve reza nem velório, mas o manuscrito desta história desencontrada, encontrado ao lado do corpo, tornou-se um grande clássico da literatura moderna, esquecido, porém, pela geração seguinte, depois por outra, e por outra, e outra.