terça-feira, 12 de agosto de 2014

Entreletra: NI BRISANT



Ni Brisant, 28, é natural de Acajutiba-BA. Em São Paulo desde 2004, Ni é um dos idealizadores do "Sarau Sobrenome Liberdade" e do clube de leitura divergente "Ninguém Lê". Educador, desenhista, revisor de diversas obras literárias, escreve com sinceridade abrasiva e sutileza incomum. Também conhecido como "Poeta Sentimento", destaca-se hoje como um dos mais populares escritor independente da capital paulista.


Entreletra:


Mais que escritor e agitador cultural, você se diz um “bahia”. O que é ser um “bahia” em São Paulo?


R: Bahia é a mão (e o fio) que costura esse vestido de luxo chamado SP. Invisibilizado, porém imprescindível.

É não pertencer. Não caber bem em lugar algum. Por isso a constante urgência de moldar-se e insistir na invenção de sua própria pátria.


Como artista independente, você abriu e vem abrindo suas próprias portas. Fale o que é ser “independente”, os prós, os contras, e a importância dos saraus para sua arte.


R: Gosto de pensar a independência como a água que cai da chuva. Chega sem passar por filtros, canos... intermediários.Conheço todo mundo que “trabalha” nos meus livros, do revisor ao cara que faz a impressão. Por exemplo, o Marciano Ventura é meu amigo e também o responsável pelos projetos gráficos. Quando penso em publicar algo, não é pela grana que o convenço a abraçar a ideia; tem a ver com crença e respeito mútuo. Não se usa esse tipo de argumento com grandes editoras, entende? Óbvio que produzir arte desse jeito dá muito mais trabalho, mas também dá uma alegria saber que é legítimo e honesto cada passo dado. Ser independente não é estar só; é escolher com quem e por onde andar.O maior desafio é fazer com que os livros cheguem às livrarias do mundão e possam ser degustados por mais gente. Por outro lado, as redes sociais têm me “ajudado” nesse processo de distribuição.Acabei criando uma relação sólida de respeito com os leitores porque não procuro fãs; quero amigos, parceiros. Tanto é que Para Brisa (meu 2º livro) foi parcialmente financiado por essas pessoas que acompanham meus textos nos saraus, que são espaços/encontros nos quais tenho aprimorado minha escrita e humanidade.

Seus textos transitam entre a prosa e a poesia. Em qual gênero melhor se encontra? Para você, há uma separação clara entre eles?


R: Embora utilize mais versos, na minha cabeça sou prosador. Gosto de escrever para contar histórias e, no final das contas, não é a forma que separa a prosa da poesia. Não vejo elementos que dissociem seguramente um gênero do outro. No miolo tudo é verbo.


Se você tivesse mesmo seu próprio dicionário, qual significado teria “morte”?

R: Derradeiro mau exemplo

que se dá em segredo de si mesmo.

O que acha do termo “novo cenário da poesia paulistana”? Você crê fazer parte de um novo movimento artístico/cultural unificado? Fale sobre.

R: Acho ultrapassado. Faço parte de um movimento inédito, mas não unificado. Existem muitas coisas em comum entre os saraus/escritores, mas os objetivos (na prática) divergem bastante. É natural que existam contradições. Toda a diversidade encontrada por aqui acaba trazendo ainda mais beleza e vigor ao movimento. Devo dizer que as experiências mais profundas que vivi nos últimos anos aconteceram graças a esses terreiros literários.


Para encerrar, diga profundamente o que quiser.

R: Não vai chover. É só um caranguejo em forma de nuvem.




Dois breves textos do autor:


A arte não me levou aonde eu queria,

mas fez do meu coração um lugar habitável.


***



Se você vive para ter pessoas

aos seus pés,

jamais terá alguém

ao seu lado.



Bibliografia/Contatos:



Ni Brisant é autor dos livros “Tratado Sobre o Coração das Coisas Ditas” e “Para Brisa”. Com textos publicados nas antologias "Sobrenome Liberdade", "Menor Slam do Mundo", "O que Dizem os Umbigos", "Poetas do sarau Suburbano Convicto" e "Poetas Ambulantes".

Escreve no blog: http://nibrisant.blogspot.com.br/

E-mail: nibrisant@bol.com.br





(crédito da foto: Flávia Barros)

***

Nesses poucos, mas anos de verdadeira amizade, tive algumas parcerias poéticas com o Ni. Abaixo uma dessas e, logo após, uma homenagem que divulgo aqui em primeira mão.

-ROTA DE UM ALVO A BORDO-

        (W.Delarte e Ni Brisant)

era flecha no mar,
na mira
afundou-se.


virou barco,
na terra
envergou-se.


cavou-se,
virou rio.


tocou o arco

e nunca mais ficou a ver

(   )  (   )  (   )

vazios.




-QUANDO NI CHOROU-

Quando a Bahia e todos orixás
abraçaram sua mãe na sacola,
Ni não olhou pra trás:
carregou todos na sua
e chorou.

Quando São Paulo
lhe deu a face mais cinza,
Ni pintou a outra
e também chorou.

Era choro de artista
e, você sabe,
artista mais sabe é fingir;

mas quando sua filha
chorou no hospital
pela primeira vez,
Ni chorou como se fosse
o último na Terra:

era choro de alegria
essas coisas que Ni escrevia
e poucos sabiam entender.

Quando Ni levou
seu Coração pra passear
sua mãe chorou
e todos orixás confirmaram:
Ori de pássaro
nasceu mesmo
pra voar

            r
      a
      o
v

Agora,
quando Ni chora,
sua mãe é sua fauna,
sua filha é sua Flora,
e a passarinhada livre
sorri.






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