Foi
no último dia de trampo antes do recesso, sexta-feira anterior àquele
Natal. Sem trânsito algum, cheguei mais
cedo no centro. Passei por uma banquinha de jornal e vi aquele cigarro free me
chamando (havia parado de fumar há uns três meses, creio) e pensei: por que
não? Dia propício este para matar a saudade e exorcizar o ano.
Pedi
um solto e segui meu trajeto.
Adentrei
a Praça da República, pouco movimentada nesta hora, e notei que um imenso feixe
de luz rasgava espaço entre as árvores e iluminava um círculo bem à minha
frente. Entrei no círculo e olhei para o alto, sentindo o astro-rei
vagarosamente adentrar em todos os meus poros sedentos, e cansados ...
...
e pensei: obrigado, Cosmos! Este ano foi de fraturar todos os ossos, mas você,
Sol, faz valer cada segundo que erro e rastejo sobre este planetinha enfadonho:
obrigado, Universo!
Fiquei
ali tragando meu cigarro em completa epifania, sentindo os fios da Beleza e de
todo o Sentido-da-vida se juntarem e me revelarem seu rosto mais transparente,
mais iluminado, mais meu.
Eis
que surge um sujeito mal-encarado e me rouba de mim-mesmo:
-
Ei, tem um cigarro?
Respondo:
-
Tenho não, comprei-o solto.
Não
satisfeito:
-
Então deixa eu dar um trago neste aí.
Replico:
-
Mas já está no filtro ...
O
puto emenda:
-
Então enfia essa porra no cu!
Claro
que desci do meu cósmico salto e falei para ele vir enfiar se fosse Homem! O
sujeito deu no pé e eu o chamando para a briga, xingando-o com todas as dez
maldições capitais de todas as infernais escrituras! ...
...
Ah, bem-feito para mim que não pude ser cristão o bastante e oferecer o último
pedaço de pão - no caso, um trago - para o infeliz e desejoso filho-de-deus.
Também não passei no teste quando, ao invés de dar a outra face, cerrei os
punhos para o renegado filho-da-mãe. Senti-me reprovado em todos os testes
divinos, ouvindo aquela sirene "peeeeeeeeeeeen" vindo do céu, a
indicar que tirei zero, mais uma vez.
Contudo,
sai dali totalmente revigorado, nervos e músculos a fio, praguejando os céus,
chamando Deus para a briga e agradecendo ao Sol que já começava a torrar o dia:
valeu, Universo!